Secret Trial: anti-terrorismo e certificados de segurança no Canadá

Salomé Ietter, traduzido por Déborah Spatz
20 Mars 2015



Há 50 anos, os certificados de segurança fazem parte da legislação canadense, permitindo, por ordem do ministério da Imigração e da Segurança pública, expulsar um indivíduo suspeito de ameaçar a segurança do Canadá. Amar Wala é o diretor de um documentário judicioso que tem por objetivo conscientizar sobre uma prática não liberal, feita em nome da segurança. O filme descreve a história de cinco homens referidos por este processo, a meio caminho entre justiça e política.


Crédito Secret Trial 5 production
Crédito Secret Trial 5 production
Segundo o ministério da Segurança pública do Canadá, o certificado de segurança tem por objetivo mandar embora do país, os imigrantes estrangeiros proibidos no território canadense que constituem uma ameaça para a segurança nacional. O regime dos certificados de segurança foi criado em 1978 e desde então, provocou cada vez mais contestações, principalmente em 1991 e 2005 quando 27 pessoas foram atingidas por ele. A aplicação desta medida é acompanhada de importantes omissões dos direitos a um julgamento justo e equitável, determinada por convenções internacionais e pela Carta Canadense dos direitos e das liberdades. De fato, as provas são somente parcialmente reveladas ao acusado, por motivos de segurança nacional. 

Este último precisa então assumir a sua defesa, por vezes, sem a mínima ideia das acusações que pesam sobre ele. Após as contestações e especialmente as reclamações de Adil Charkaoui, um dos cinco homens ao qual o filme se refere, liberado em 2005, a Corte Suprema analisou a constitucionalidade do processo. Em 2007 ela declarou a inconstitucionalidade deste e deu um prazo de um ano ao governo canadense para alterá-lo. Ele apresentou então a lei C-3, que modifica a lei da imigração e a proteção dos refugiados, introduzindo a participação de um advogado especial, cujo papel consistirá em proteger os interesses da pessoa referida pelo certificado de segurança durante as audiências a portas fechadas. 

O advogado especial: um mal menor?

O advogado especial, designado pelo juiz, pode então contestar o fato que os documentos necessitem à discrição. Ele também pode contra-interrogar testemunhas e contestar a fiabilidade das informações utilizadas como provas. Finalmente, ele pode comunicar com a pessoa acusada até que os documentos não lhe sejam mais transmitidos. Porém o advogado especial não tem clientes propriamente ditos, como relembra a Liga dos direitos e liberdades. O seu papel é ser a “consciência do tribunal”. E mesmo se a Corte suprema desse razão ao advogado especial, o governo poderia ainda invocar uma das leis de proteção da informação para manter as provas secretas. 

O advogado especial, designado pelo juiz, pode então contestar o fato que os documentos necessitem à discrição. Ele também pode contra-interrogar testemunhas e contestar a fiabilidade das informações utilizadas como provas. Finalmente, ele pode comunicar com a pessoa acusada até que os documentos não lhe sejam mais transmitidos. Porém o advogado especial não tem clientes propriamente ditos, como relembra a Liga dos direitos e liberdades. O seu papel é ser a “consciência do tribunal”. E mesmo se a Corte suprema desse razão ao advogado especial, o governo poderia ainda invocar uma das leis de proteção da informação para manter as provas secretas. 

O segredo às custas da verdade e de vidas humanas

Segundo o ministério da Segurança pública, um relatório não classificado do processo precisa ser entregue à pessoa citada e ao seu advogado para informá-los sobre as provas apresentadas. Este relatório precisa conter informações suficientes para que a pessoa seja razoavelmente informada das circunstâncias que resultaram no certificado mas ele não pode contar nenhum elemento cuja divulgação poderia prejudicar, segundo o juiz, a segurança nacional ou a segurança de outrem. É principalmente este “ informações suficientes” que cria problemas. O filme de Amar Wala permite ver vários exemplos de documentos oficiais transmitidos aos acusados, sobre os quais informações “classificadas”, muitas vezes necessárias à compreensão em si do objetivo do documento são mascaradas. Como reagir diante de uma tal “prova”? 

Apoiando-se sobre o que acabou de ser dito e ao ler a prova transferida, a Corte conclui que Adnani é um pseudônimo utilizado por Harkat. Crédito Secret Trial 5 produção
Apoiando-se sobre o que acabou de ser dito e ao ler a prova transferida, a Corte conclui que Adnani é um pseudônimo utilizado por Harkat. Crédito Secret Trial 5 produção
Este procedimento difere então tanto de um ato de expulsão tradicional, pois Ottawa pode manter o segredo sobre as provas invocando a segurança nacional, mas também de um procedimento criminal clássico. A Corte federal precisa na verdade determinar se o certificado de segurança foi entregue por motivos válidos. Se sim, o procedimento de expulsão pode ser operado. Sobre qual norma de prova basear-se? Neste caso, de fato diferente e menos vinculativo que a norma de prova aplicada aos procedimentos criminais que obrigam a estabelecer “a prova maior de qualquer dúvida razoável” e isto, apesar da gravidade das questões.  

O problema que o procedimento de expulsão tem de enfrentar encontra-se em suas consequências. O Canadá assinou a Convenção contra a tortura em 1987. Certos acusados referidos pelo certificado de segurança, estavam ameaçados de tortura ou de tratamento degradantes em seus países de origem, é então ilegal para o Canadá mandá-los de volta a estes países. Para Amnesty International, nenhum pretexto pode justificar tal expulsão e se ninguém cometeu nenhum crime em violação do direito internacional, a sua expulsão do Canadá também não deveria permitir-lo de escapar da justiça internacional. A pessoa deve então ser acusada no Canadá pelo o seu crime, conforme ao direito internacional. Amnesty International denuncia também as faltas nas possibilidades de defesa do acusado. 

Uma das questões encontra-se na mesma concepção que temos de um ato terrorista.

“O governo canadense quer deportá-los. Ele não foi capaz de fazer isto por causa da Convenção contra a tortura mas ele quer mesmo assim. É o coração do problema. Deportar um “terrorista” não tem sentido, é uma maneira de pensar arcaica cujas raízes encontram-se na paranóia da Guerra fria. Se não tivessem optado pelo código criminal, isto não teria acontecido desta maneira. O terrorismo é um crime, ponto.” - Amar Wal

O filme, The Secret Trial 5, conta a história de cinco homens auferidos por um certificado de segurança. Nunca nenhum deles foi acusado de um crime de verdade e não se pode observar a evidência que estava se estabelecendo contra eles. Amar Wala, Noah Bingham e o seu regime cumpriram um trabalho extremamente importante, motivado pela ambição de sensibilizar o máximo de pessoas. 

“Ouvi falar da família de Jaballah e de sua história – eles perderam o pai encarcerado em uma prisão canadense sem acusação – realmente me interpelou, como canadense.” - Amar Wala

Amar Wala à esquerda, et Noah Bingham, à direita, crédito HotDocs
Amar Wala à esquerda, et Noah Bingham, à direita, crédito HotDocs
Após a grande difusão no outono de 2014, ele voltou em turnê neste mês de março de 2015. A equipe do filme se desloca e um tempo de perguntas e respostas é concedido depois de cada  projeção. Financiado pelo "crowdfunding", esta solução foi indispensável para o diretor: “Nenhuma rede queria financiar o filme, nós procuramos então o público diretamente”.   

A participação direta deste último com a realização e o sucesso do filme permite implicar mais pessoas, e aos poucos, sensibilizar de maneira global. “Penso que as pessoas precisam que relembremos o que é de sua responsabilidade de elevar-se contra estes assuntos. É muito fácil afastar ou esquecer estes problemas, é por isto que queremos que as pessoas se comprometam e participem”.

Quando o interrogamos sobre o papel de um filme na mudança, Amar Wala responde que “como diretor de filme, não controlamos a mudança. O filme pode somente ser um ingrediente da mudança, mas ele não facilita a mudança sozinho. Esperamos que a conscientização seja geral, um pouco de ceticismo do público da próxima vez que o governo tomar uma medida similar, sejam suficientes.”

Homens, além dos certificados

Este filme permite, por estes debates sobre medidas anti-terroristas em perspectivas, sair do quadro das Câmaras do municípios, dos votos e dos peritos. Ao que parece estar longe disto, mas que na verdade é extremamente próximo, este filme divide o impacto humano das leis que podem regir nossas sociedades. Estes homens dividem neste filme a sua experiência e permitem ao público refletir sobre a pertinência desta prática. Será que a segurança vale ao ponto de arruinar as nossas vidas? Um só não quis ser implicado neste filme e não foi fácil integrar os outros ao projeto. Segundo Amar Wala, “foi um processo demorado e longo para ganhar a confiança deles, demorou anos."

Adil Charkaoui que chegou ao Canadá em 1995 com os seus pais, foi suspeito, à partir de 2000 de ser um “agente dormente” da Al-Qai?da. A “prova” foi baseada em uma jornada de cinco meses no Paquistão em 1998. Foi classificado sob certificado de segurança e detento em 2003 enquanto efetuava seu doutorado na universidade de Montréal. Ele foi ameaçado de expulsão para o Marrocos, onde de acordo com a lei em vigor sobre os suspeitos de terrorismo, ele corria risco de tortura. Ele foi liberado em 2005, após 21 meses de prisão sem nenhuma acusação formal contra ele. É em grande parte graças aos seus pedidos que a Corte suprema aceitou examinar a constitucionalidade dos certificados de segurança em 2007, que infelizmente não levará às melhorias desejadas. Em 2009, seu certificado foi suspenso. 

Encenação dos parentes de Mohamed Harkat durante uma manifestação, crédito René Hardy
Encenação dos parentes de Mohamed Harkat durante uma manifestação, crédito René Hardy
Em 2010, a Corte suprema julgou que a nova versão da lei era constitucional, e rejeitou então o pedido de Mohamed Harkat. O filme permite imaginar de maneira precisa a vida cotidiana de M. Harkat. Em 2005 ele conseguiu a liberdade condicional. Ele precisa estar sob supervisão de sua mulher 24 horas por dia, as suas saídas limitam-se a três ou quatro horas no máximo por semana e precisam ser aprovada com 48 horas de antecedência pela Agência canadense dos serviços de fronteira. Claro, ele nunca se livrará da tornozeleira eletrônica e nem os e-mails nem mesmos os telefones nunca mais serão permitido em sua casa. Em outubro de 2013, Mohamed Harkat lançou um novo processo perante a Corte suprema que terminou em 2014 por uma nova declaração de constitucionalidade. 

Hassan Almrei, Mahmoud Jaballah et Mohammad Zeki Mahjoub também afrontam o desafio de ter de se defender de uma acusação impensavel. Quando perguntamos a Amar Wala se ele acha que os homens acreditam no potencial de um filme destes, ele responde : "Sinceramente, não tenho a certeza. Espero que eles estejam satisfeitos do FILME e que sintam uma certa justiça".

A balança entre segurança e liberdade

Segundo o diretor, toda sociedade livre tem por responsabilidade agir para que o seu governo proteja esta liberdade. Então por que esta obsessão do controle?  

“Não creio que o governo queira controlar a sociedade. Penso que ficaram desesperados após o 11 de setembro e que foram mal guiados e francamente são ignorantes em sua reflexão. O racismo e a islamofobia ocuparam um grande papel nisto. As nossas forças de segurança não estão educadas suficientemente sobre estas questões e eles reagem diante do medo ao invés de escolher uma maneira científica e compreensiva na luta anti-terrorista".

Invocar a defesa parece hoje justificar a invasão de liberdades fundamentais. A presunção de inocência, considerada como um progresso considerável em nossas sociedades modernas, parece então derrubada pela presunção de culpabilidade, abrindo a porta a todas as derivas judiciais imagináveis. “Eu diria que a segurança nacional deveria ser aplicada com uma base social mínima, em cima da qual nenhuma pessoa residente no Canadá pudesse cair. Se você for um morador de rua envolvido em drogas, você não tem segurança nacional. Se você tiver uma doença mental que precise de tratamento, você merece a segurança nacional. Se você for uma mulher autóctone com uma forma de risco de ser vítima de violências, onde está a sua segurança nacional?” 

“Pensar na liberdade nacional simplesmente em termo de defesa, de proteção contra um inimigo é simplista. Precisamos ultrapassar isto. O terrorismo é certamente um problema mas ele nem está no top 100 dos problemas que o Canadá enfrenta atualmente. Temos de ser mais inteligentes. Precisamos utilizar o nosso cérebro e o nosso coração em todas as nossas políticas públicas. 
 


Nota:

Adil Charkaoui perdeu o seu contrato na escola Maisonneuve em Montréal de onde teriam partido seis adolescente para a Síria. Senhor Charkaoui criticou a sua suspensão, alegando que isto faz parte de uma tendência aleatória contra a comunidade muçulmana e que o seu ensino não tem nada a ver com estas partidas. Ele comparou estes atalhos discriminatórios com uma “caça às bruxas”.

No quadro desta atualidade e dos debates sobre a nova lei anti-terrorista canadense, a lei C-51, a equipe do filme Trial 5 reinicia uma turnê de projeções. Secret Trial 5 será transmitido entre outros na Quinta-feira dia 12 de março em Montréal, dia 17 de Março na York University de Toronto, em Winniped dia 22 de março e dia 25 de março em Vancouver. Consulte as outras cidades e datas no site: http://secrettrial5.com/
 

Notez