Crédito Fifa
No dia 17 de fevereiro um francês chamado Souleymane S. estava fazendo seu trajeto rotineiro do trabalho para casa, quando foi vítima de ataque racial. "Tentei embarcar no trem e de repente duas pessoas me empurraram para fora dele. Não entendi e pensei, isso não é normal. Tentei entrar no trem, fui empurrado e depois me empurraram uma segunda vez. Continuei sem entender o porquê de terem me empurrado. Foi aí que um deles, um rapaz, gesticulou com a mão... para dizer: só aceitamos gente de pele branca aqui, pele negra não tem direito de entrar."
Os rapazes que impediram Souleymane de embarcar no trem eram integrantes de um grupo de torcedores do Chelsea, indo assistir a uma partida contra o Paris Saint-Germain. Um dos passageiros do trem, inglês expatriado que vive em Paris, filmou o ataque com o celular, e enviou as imagens para o jornal britânico The Guardian logo em seguida. O vídeo atraiu a atenção mundial para o caso, e ajudou a agilizar a identificação dos agressores.
O que é preocupante, no entanto, é a propensão dos rapazes, e até orgulho, de seu racismo. Ao cantar uma música racista que pode ser ouvida no vídeo: "Somos racistas, somos racistas, é assim que gostamos de ser". Nesta demonstração de agressão gratuita contra um rapaz negro em lugar público, o ódio e preconceito racial flagrado chega a ser óbvio, e até assustador. Além do mais, isso põe em evidência uma "normalização" do racismo na sociedade britânica.
O incidente trouxe má fama publicitária ao Chelsea bem como à cultura hooligan e ao futebol britânico em geral. O Chelsea foi rápido em condenar o ataque, e insistiu em dizer que os envolvidos não representam as atitudes da maioria de seus torcedores. Para corroborar, torcedores do Chelsea seguravam faixas antirracistas para mostrar que não compartilham dos mesmos princípios que os envolvidos na agressão, uma faixa por exemplo, dizia: "Preto ou Branco, somos todos Azuis", em alusão à cor do time. A demonstração pública de repúdio ao racismo pode até ser bonita de se ver, mas infelizmente não ameniza a gravidade do ocorrido.
A ligação mal vista entre futebol e racismo
Esse tipo de comportamento não é incomum. O Hooliganismo sempre existiu na Grã-Bretanha, e sua associação ao esporte, em particular com times de futebol, não é nenhuma novidade. O Futebol tem sido atingido por vários incidentes racistas, tornando o racismo questão alvo de debate no mundo futebolístico que vê uma enorme necessidade de lançar campanhas antirracismo, como a "Não ao Racismo" da UEFA, e a "Dê Cartão Vermelho ao Racismo" da British charity. As várias campanhas antirracismo de grande proporção no futebol prova essa realidade: que ainda há forte presença de sentimento racista nesse meio.
Isso levanta a questão: por que o preconceito racial é tão prevalente nos times de futebol e nas partidas? Isso pode ser explicado pela teoria psicológica da mentalidade de Turba. Desenvolvida pelo pensador francês Gustave Le Bon, a mentalidade de Turba, ou "teoria da manada", descreve o fenômeno de deixar que o pensamento individual se renda em favor de um comportamento mais coletivo, no qual o indivíduo tem pouco controle sobre suas próprias ações, tornando-se uma espécie de "Maria vai com as outras". A cultura do futebol retrata bem esse fenômeno. Torcer para um time de futebol desperta muito mais do que um sentimento de euforia quando ele ganha um jogo. Um time pode provocar a sensação de pertencimento, e emoções compartilhadas podem ser muito fortes. As pessoas se sentem seguras quando se sentem integrantes de um time, seguras o suficiente para expressar as suas opiniões, mesmo elas sendo antissociais ou repugnantes. E quando essas opiniões são compartilhadas por um número suficiente de integrantes do grupo, elas se tornam um verdadeiro perigo para a sociedade. Como esse acontecimento no metrô de Paris demonstra, a mentalidade de Turba ou "comportamento de manada", como também é conhecido, pode penetrar na mente de uma pessoa, fazendo com que ela expresse opiniões e cometa atos de agressão que nunca cometeria por si só.
Levando para o lado político: a ascensão do direito
A cultura futebolística serve de exemplo para refletirmos sobre questões subjacentes dentro da sociedade, e a Liga Inglesa de Defesa (EDL) inclui este lado escuro da sociedade britânica. Criada em 2009, a organização de extrema direita tem tido sucesso em incitar o ódio racial e religioso nas ruas de cidades inglesas grandes e pequenas em várias ocasiões. Chamando para o fim da "a ascensão do Islamismo radical" no Reino Unido, o grupo tende a atrair homens brancos, da classe trabalhadora, e seus protestos nas ruas já provocaram violência e prisões várias vezes. Em outubro de 2010, confrontos dos membros da EDL contra jovens asiáticos e negros eclodiram em Leicester, na região de Midlands. Os membros da EDL lançaram fogos de artifício, bombas de fumaça e tijolos na polícia, e atacaram a van de uma equipe de notícias.
No entanto, a EDL sofreu um duro golpe quando seus líderes Tommy Robinson e Kevin Carroll anunciaram a deixariam, quando consideraram que a organização estava se tornando muito extrema. Notavelmente, Robinson e Carroll tiveram conhecimento sobre o Islã, bem como conversações com o Quilliam, um grupo de estudos fundado por ex-islâmicos e estabelecido para combater o extremismo. O grande exemplo dos ex-líderes da EDL prova, melhor que outros, que as correntes do preconceito podem ser facilmente quebradas, bastando para isso, somente um pouco de interação e integração entre as raças.
Entretanto, esta parte da sociedade ainda persiste, e muitos membros da EDL vem demonstrando sentimentos de amargura e traição pela renúncia de Robinson e Carroll. No entanto, nos últimos anos, um novo partido político surgiu para resolver os problemas sociais de hoje: o Partido de Independência do Reino Unido (UKIP).
Adotando uma abordagem mais sutil, o líder Nigel Farage e seu partido populista de direita estão causando estragos na política britânica, apelando para grande do público. Farage descreve o UKIP como um "partido libertário não racista", e muito tem amenizado o sentimento racista incitado pela EDL. No entanto, o partido explora as mesmas inseguranças sociais e econômicas sentidas por grande parte da sociedade, usando o medo da imigração para envolver o descontentamento público e, assim, ganhar o apoio popular. O jornalista britânico Owen Jones declara que: "O surgimento do UKIP representa uma das maiores ameaças para a construção de uma sociedade democrática, justa e aceitadora".
Mais tarde foi divulgado na internet que um dos homens envolvidos no incidente do metrô de Paris, Josh Parsons, tinha tirado uma foto com o líder do Partido de Independência do Reino Unido, Nigel Farage. O partido, é claro, tem se esforçado para se distanciar de Parsons, afirmando de forma explicita não ser racista. Porém, esta revelação reflete uma proximidade preocupante entre o crescente sentimento racista na sociedade britânica e a ascensão do partido populista. Além disso, não é a primeira vez que algo envolvendo diretoria e membros do UKIP vem à tona. O Conselheiro do partido em Kent Rozanne, Duncan, apareceu em uma entrevista ano passado dizendo ter "problemas com negros".
Negado o direito de pegar o metrô
Souleymane S. prestou queixa oficialmente na polícia francesa, que está cooperando com a MET britânica para intimar os homens envolvidos. Ao falar contra o ataque, ele declarou: "Eu fiquei pouco machucado fisicamente, mas em termos moral fiquei muito atingido. Isso afetou muito minha vida. Não consigo nem entrar no metrô, que já fico com medo. Eu não acho que você deve ter negado o direito de pegar o metrô por ser negro. E era isso que eles queriam ". E em uma contradição perversa, era Souleymane o cidadão francês, e mesmo assim foi alvo de preconceito em seu próprio país, por um grupo de estrangeiros.
O que é surpreendente é que o ocorrido só chamou a atenção da mídia mundial por ter sido filmado. Se não tivesse sido a espontaneidade de um passageiro, este ataque racista teria passado despercebido, como milhares de outros a cada dia. Apesar das tentativas de inúmeras campanhas e instituições de caridade, o que fica dolorosamente óbvio em assistir a este vídeo é que o racismo no futebol e na sociedade em geral, está longe de se extinguir.