Perceber a organização do Estado Islâmico (1/2)

Escrito por Mathilde l’Hôte, traduzido por Carolina Duarte de Jesus
15 Janvier 2015



A organização islâmica sunita do Estado Islâmico (EI) criada em 2006 toureou-se realmente conhecida ao público 10 de junho 2014 com a tomada de Mossoul (no norte do Iraque) e a declaração da criação do Califado pelo leader Abou Bakr Al-Baghadi. O grupo controla largas partes de territórios sírios e iraquianos dos quais o tamanho total é equivalente ao território do Reino Unido. Para além deste controlo territorial, o grupo anunciou quinta-feira 13 de novembro a sua vontade de criar a sua própria moeda e sistema económico. Como é que a organização do Estado Islâmico conseguiu ter uma tal dominação? Revisão dos principais elementos da subida em poder do grupo.


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Depois do início da guerra civil síria, a responsabilidade, directa e indirecta, de Bachar Al-Assad foi apontada pela comunidade internacional. Como o marca o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês num discurso em Nova Iorque dia 27 de setembro 2014, “É o regime que fez deste grupo o que ele é, ao instrumentalizá-lo para bloquear todos os que queriam mudar o regime”. Efectivamente, enquanto que a oposição síria organizou-se primeiro de maneira pacifica para lutar contra o regime, Bachar Al-Assad libertou muitos islamistas radicais que se tornaram hoje actores principais de grupos djihadistas como a frente Al-Nesra ou ainda a organização do EI. 

Também, e mais indirectamente, o regime favoreceu o  desenvolvimento desta organização com o vazio politico criado pela guerra civil. É preciso acentuar a falta de acção militar das autoridades contra os grupos islâmicos tal como a complacência com o contrabando de petróleo vindo de zonas controladas pela organização (val do Eufrates) sabendo que é uma fonte financeira importante para a organização.

A intenção de Bachar Al-Assad neste processo era clara: destabilizar o seu próprio país e radicalizar a oposição com o objectivo de manter a sua legitimidade a nível internacional, ao apresentar-se como a única protecção contra o terrorismo no país. No entanto, apesar de ser evidente que estes factos acelerarão o desenvolvimento da organização do Estado islâmico, o grupo construiu um apoio regional significativo desde 2003. 

A guerra do Iraque e a criação da organização do EI

O Iraque é um país maioritariamente muçulmano, com 17% de sunitas e 77% de xiitas. Desde 2003, esta diferença foi exacerbada pela intervenção estrangeira no país e a introdução de um governo intermediário e transitório, respectivamente em 2004 e 2005. Efectivamente, o Presidente xiita Ibrahim Al-Jaafari teve uma política sectária e rejeitou a minoria sunita da vida política do país. Como exemplo, nenhum ministro sunita foi nomeado nos ministérios estratégicos, como a Defesa, Segurança ou Negócios Estrangeiros. Foram postos em lugares protocolares, os quais não tendo um real impacto na política do país.Paralelamente, enquanto que Saddam Hussein e o seu exército foram desmantelados, muitos oficiais e sub-oficiais investiram-se na rebelião sunita. Muitos deles encontram-se hoje em dia em lugares importantes da organização do EI, que se apoia num enquadramento maioritariamente iraquiano. 

A oposição, para além de se mobilizar contra o poder xiita, organizou-se no país para lutar contra a presença de estrangeiros. A criação da Al-Qaeda no Iraque (AQI) é motivada pela ideia de combater a presença ocidental na região. Quando morreu o líder Abu Musad Al-Zarqawi em 2006, a organização torna-se ainda mais violenta. Também é preciso notar que há uma luta pela liderança entre o novo líder, Abu Hamza al Muhajir e Al-Baghadi que se torna concurrente e anuncia a criação da organização do EI no mesmo ano. Este novo grupo, composto principalmente de antigos membros da Al-Qaeda no Iraque, marca uma divergência de visão entre a nova geração djihadista e a direcção ideológica de Al-Qaeda. Efectivamente, o objetivo de Al-Baghadi é mais territorial e dirige primeiro a sua luta contra o poder xiita iraquiano mas também sírio. Ele anuncia aliás em 2007 que “a Al-Qaeda já não existe no Iraque”. 

A complacência dos países do Golfo Persa

Esta rivalidade entre o sunismo e o xiismo estende-se mais longe que as fronteiras iraquianas e sírias e afecta as alianças políticas de todo o Meio-Oriente. Aliás, isto inscreve-se numa dinâmica que alguns chamam “a nova guerra fria” entre o Irão, maioritariamente xiita, e a Arábia Saudita, maioritariamente sunita. Neste contexto, a implicação dos países do Golfo no financiamento dos grupos islamistas presentes na Síria e no Iraque é uma simples participação á uma guerra por correspondência com o Irão.

Apesar do Koweit, o Bahrein e Abu Dhabi serem conhecidos por favorecer estes grupos, a Arábia Saudita é sem nenhuma dúvida o país que lhes oferece o maior apoio político, financeiro e militar. Efectivamente, o regime saudita nunca aceitou o regime xiita iraquiano depois da caída de Saddam Hussein, suspeitando uma influencia directa do Irão na política iraquiana. Paralelamente, as aspirações democráticas do Meio-Oriente, ganhando importância depois da Primavera Arabe, ameaçam directamente a sobrevivência política da família saudita regente, que aplica políticas radicais ao basear-se numa interpretação fundamentalista do Islão no país. Deste ponto de vista, o financiamento dos grupos islamistas e mais reaccionários e contestadores é um meio, para o poder saudita, de manter a sua longevidade e de lutar contra o poder xiita instalado na região.

O papel ambigüo da Turquia

Mesmo se a Turquia acabar com o regime de Bachar Al-Assad em 2011 e desejar a desestabilização do atual regime, a sua maior preocupação gira entorno a questão curda. Efectivamente, 16% da população do país é curda, e está situada principalmente no sul-este do país, na fronteira com a Síria. Esta população, porém, não é reconhecida pelo regime, quem a tratou como uma minoria turca. Os curdos são descendentes do povo iraquiano. Durante a guerra civil na Síria, os curdos, representando 9% da população, adoptaram o lado da oposição, com um objectivo nacionalista e de autonomia territorial. Este exemplo poderia, sem dúvida, ter uma influencia sem precedentes no movimento independentista curdo na Turquia.  

A complacência da Turquia quanto á organização do Estado Islâmico é então um meio de lutar contra esse risco independentista. Apesar do governo ter sempre negado qualquer apoio á organização terrorista, está provado que a acção do MIT, serviço de espionagem turco, participou ao desenvolvimento do grupo. Efectivamente, no início do conflito sírio, nenhum controlo foi efectuado quando aos candidatos djihadistas europeus e russos que passavam pela Turquia, combatentes djihadistas foram acolhidos nos hospitais turcos da fronteira e o contrabando de armas com destino a organização do EI preocupou muito pouco.

No final, a organização do EI aproveitou-se de uma região destabilizada e dividida por várias interpretações do Islão, a presença e as intervenções estrangeiras, a maneira de gerir politicamente as minorias e sobretudo, a vontade de vários políticos de se concentrar sobre a sua sobrevivência política apesar disto prejudicar a estabilidade da região. Todos estes elementos têm activamente participado á criação de um movimento djihadista de um novo tipo de representante, uma ameaça certa para a região inteira.

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