O que os eua querem do Brasil ?

Vinícius Mendes
23 Novembre 2013



A presidente Dilma Rousseff faz pouco uso da tecnologia no seu trabalho. A revelação é do secretário-geral da presidencia do Brasil, Gilberto Carvalho, em uma entrevista à revista de maior circulação no país, a VEJA. Alguns auxiliares do Palácio do Planalto, sede do governo brasileiro contam que quando Dilma quer falar com algum ministro, costuma chamá-los por telefone até a sua sala, pede para um dos secretários os convidarem pessoalmente ou até mesmo envia bilhetes convocando-os para as reuniões em sua sala.


Crédits Photo -- SIPA USA/SIPA
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Ao celular, a presidente fala pouco com políticos. O computador instalado em sua mesa serve para ler jornais e receber emails, ainda que dificilmente os responda, como ela mesma disse em uma recente entrevista um um programa televisivo. Dilma prefere resolver os problemas olho no olho e, por isso, quase sempre está com visita na sua sala. Aparentemente, a presidente também não gosta de redes sociais. Usou um perfil no Twitter durante as eleições presidenciais de 2010, mas o abandonou depois que chegou ao poder. No Facebook, está presente em uma página curtida por aproximadamente 30 mil pessoas que é atualizada diariamente pelo seu partido, o Partido dos Trabalhadores. Nas outras páginas de interação da internet, a presidência do Brasil mantém equipes que postam diariamente novidades sobre a governante e as ações do governo brasileiro.

Dilma provavelmente estranhou quando soube, por meio de uma reportagem televisia feita em julho, que os Estados Unidos estavam espiando as conversas telefônicas e os emails da presidente e também de boa parte de seus aliados políticos por meio da NSA (National Security Agency). A reportagem foi feita com a ajuda do jornalista Glenn Greenwald, que vive no Rio de Janeiro e foi responsável por publicar os documentos secretos obtidos pelo ex-analista da agência de inteligência norte-americana, Edward Snowden, hoje exilado em Moscou. Fora do círculo do governo, já se sabe que os EUA também espionaram consulados, cidadãos comuns e a Petrobrás, estatal petrolífera brasileira considerada a quarta maior empresa do mundo, segundo os próprios documentos vazados.

O estranhamento de Dilma causou prejuízos políticos à Casa Branca. Num momento em que Brasil e Estados Unidos somam outros interesses além dos comerciais, a presidente brasileira cancelou a visita de estado que faria a Washington no dia 23 de outubro. A visita ainda não foi remarcada.

PETRÓLEO

A principal hipótese levantada no Brasil desde que as denúncias surgiram aponta o petróleo como o principal motivador para a espionagem na NSA. “Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos. Com certeza (a espionagem) é para obter vantagens industriais e também por questões de segurança nacional.”, disse Greenwald em entrevista ao site brasileiro UOL, no início de setembro. O senado do país também se baseou neste motivo para abrir uma comissão especial de investigação no final do mês passado. Os parlamentares começaram os trabalhos ouvindo a presidente da Petrobrás, Graça Foster, que negou a violação dos dados da empresa, mas revelou um dado importante. Das 36 empresas que trabalham com segurança da informação na petrolífera, 14 são norte-americanas e, em sua maioria, usam tecnologias desenvolvidas nos EUA. Até o final dos trabalhos, os senadores querem ouvir mais de 30 pessoas, entre embaixadores, membros do governo norte-americano no Brasil e até funcionários de empresas da internet, como do Google, por exemplo.

Um interesse maior do mundo no petróleo brasileiro é recente. Há seis anos, a Petrobrás descobriu uma bacia do combustível com aproximadamente 800 quilômetros de extensão por 200 quilômetros de largura que ocupa quase toda a costa do país. Ela está localizada na chamada “camada de pré-sal” e engloba cinco estados brasileiros. Estima-se que haja 80 bilhões de barris de petróleo e gás dentro da bacia, o que deixaria o Brasil na posição de sexto maior detentor de reservas no mundo. Desde a descoberta, em 2007, o governo brasileiro tem tido problemas com a divisão dos lucros e direitos de exploração por parte dos estados onde há a camada do pré-sal. No entanto, os trabalhos nos novos campos sequer foram iniciados.

É notório, também, o interesse norte-americano no petróleo do mundo. Os EUA são os maiores consumidores dele no planeta: 19,8% de tudo o que foi produzido em 2012, segundo um estudo da British Petroleum Company. Os Estados Unidos são também o país que mais compra petróleo dos 12 países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), sendo o principal parceiro comercial de cinco deles, incluindo a Venezuela que também foi espionada, segundo dados da NSA. Porém, a sede norte-americana pelo combustível fóssil diminuiu neste ano. Segundo dados do Ministério de Comércio Exterior do Brasil, as vendas de petróleo para os EUA entre janeiro e junho deste ano ficaram 58% abaixo das registradas no mesmo período do ano passado. As exportações somaram US$ 1,5 bilhão (R$ 3,4 bilhões), contra US$ 3,7 bilhões (R$ 8,3 bilhões) nos seis primeiros meses de 2012. A piora nos termos de comércio para o Brasil é um dos efeitos imediatos da tão propagada "revolução energética" iniciada com a expansão do gás de xisto americano, que reduziu drasticamente a demanda dos EUA pelo combustível.

A explicação norte-american veio através do telefone de Barack Obama para Dilma Rousseff após a reunião do G20 realizada em São Petesburgo (Rússia) no final de agosto. Segundo o presidente norte-americano, os EUA estariam preocupados com movimentações terroristas em território brasileiro e latino. Esta é, até agora, a versão oficial para a espionagem não só aos órgãos do Brasil, mas de países como Argentina, Equador, Venezuela e Colômbia. No entanto, Dilma, os integrantes de seu governo e seus colegas sul-americanos sabem que estão lidando com um Estados Unidos repleto de motivações muito maiores do que apenas o medo de novas organizações terroristas em trânsito no continente vizinho.

RELAÇÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS

“Existe soberania no Brasil quando todas as suas comunicações são invadidas?”, questionou o fundador do Wikileaks, Julian Assange. O jornalista participou de um debate sobre liberdade na internet realizado em São Paulo, no dia 18 do mês passado, no qual ele contribuiu por meio de uma videoconferência. Acima da discussão sobre a soberania, a espionagem norte-americana ao Brasil não afetou a relação entre os dois países, mas obviamente os distancia ainda mais das ideologicamente. Desde a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2003, a postura política brasileira no exterior mudou. O Brasil se aproximou dos discursos anti-imperialistas dos seus colegas sul-americanos, como Evo Morales, da Bolívia e Hugo Chávez, da Venezuela.

O país se inclinou contrariamente aos norte-americanos em ações na Síria e no Irã e mantém desde 2008 uma tensa negociação com Washington para compra de caças para a Força Aérea Brasileira. Tal distanciamento já pode ser notado na forma como alguns atores dessa relação observam ao outro. No final de setembro, o jornalista cubano radicado na Espanha Carlos Alberto Montaner publicou uma entrevista com um ex-embaixador dos EUA no Brasil em sua coluna semanal no jornal norte-americano Miami Herald. No artigo, Montaner revela uma impressão definitiva disso. “Da perspectiva de Washington, o governo brasileiro não é exatamente um governo amigo. O Brasil, por definição e pela história, é um país amigo que nos acompanhou na II Guerra Mundial e na Guerra da Coreia, mas seu atual governo não é”.

O esfriamento entre Estados Unidos e Brasil tem outro fator motivador : a China. Em 2009, o gigante asiático ultrapassou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro, apesar das inconstâncias do mercado internacional. Os chineses fecharam o ano passado com 15,3% das importações do Brasil, contra 14,6% dos norte-americanos, números que tendem a se afastar nos próximos anos, segundo economistas. A relação bilateral, no entanto, continuará a mesma, apesar das investigações que estão em curso tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos sobre a espionagem. O último recad foi dado por Dilma depois da Assembleia Geral da ONU em Nova York. “A relação estratégica dos dois países ultrapassa isso (a espionagem). Ela tem a sua dinâmica. Agora, é possível elevar esse patamar e acredito que essa é vontade do presidente Barack Obama, mas as condições têm que ser construídas”.


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