Irão: ataques de ácido encorajados pela lei ?

Vincent Tourret, traduzido por Carolina Duarte de Jesus
15 Décembre 2014



No Irão vários ataques de ácido causaram transtornos na opinião pública, partilhada entre psicose e raiva contra as autoridades. Acusadas de deixarem demasiado passar, tiveram ainda por cima de justificar uma nova legislação que dá meios de proteção ás milícias morais contra desvios de leis que obrigam a usar o véu. Num clima de rigor moral renovado, o Irão fecha-se na negação tendo por pretexto a ação de agentes estrangeiros.


Crédito AFP
Crédito AFP
Quatro mulheres foram pulverizadas com ácido no corpo inteiro e na cara na cidade de Ispahan, a 100 km a sul de Teerã, deixando-as desfiguradas. O suposto motivo dos crimes seria o fato de usar mal o hijab. A última data tendo sido dia 15 de Outubro, o Irão vive uma psicose dolorosa, com inúmeras manifestações no país inteiro, sobretudo Teerão e Ispahan. 

Quanto as elites, fortemente criticadas, fortalecem ainda mais a ideia moral, tendo medo de uma degradação do Islão. Ao aumentarem a firmeza, pedem pena máxima e já prenderam quatro suspeitos. O que pode a primeira vista parecer uma resposta apropriada a crimes odiosos, esconde em realidade uma profunda negação da situação. Efetivamente, estas ações aconteceram depois da adopção de uma nova legislatura que permite as milhas morais que fazem respeitar a lei islâmica na rua, de serem protegidas. Sob o fogo de críticas, o governo iraniano tenta esconder a realidade: a de uma lei fora do controle.

Ordenar o bem, banir o mal: combater a ocidentalização dos valores

A eleição do presidente moderado Hassan Rohani que sucede a Mahmoud Ahmadinejad levantou medo para os conservadores. Apesar da sua vontade de liberalizar a sociedade, o seu objetivo principal é de chegar a uma solução negociada quanto o dossier nuclear.

É por isso que, para não ter as mãos sujas, este larga o lastro nas questões de sociedade. Em junho deste ano uma petição da Majlis, uma assembleia consultiva iraniana, assinada por 195 membros, chama a combater a “invasão cultural” que ameaça a sobrevivência do sistema islâmico e a sua pureza moral. Segundo eles, os valores foram “desonrados” e “esvaziado do sentido deles” ao deixarem a possibilidade a cada um de “escolher as suas roupas”, entre outros. A necessidade de seguir á letra as leis que obrigam as mulheres a usar o véu, os códigos de vida islâmicos, tem de ficar primordiais e devem portanto ver-se conceder novos meios para serem aplicados. 

As milícias islâmicas iranianas, organizadas à volta de Ansar-E Hezbollah e o seu dirigente Yalassarat al-Hussein ameaçaram então a administração para que façam elas próprias respeitar as leis para o uso do véu se não usassem medidas mais severas para forçar o seu uso na rua. Para evitar um conflito, esta última adoptou então a lei de “ordenar o bem, banir o mal”. 

Este principio, que tem a raiz diretamente do Corão, enuncia o direito e o dever dos governos muçulmanos tal como qualquer crente de instaurar e fazer respeitar o hijab e a charia na sociedade, mesmo pela força. Defendida por Rohani dia 22 de Outubro como um meio pacifico de unir a sociedade e não como um instrumento partidário fonte de divisão, não teria implicação física, apesar da sua educação dizer que tem de ser seguido de “boas maneiras” o que significa de uma maneira que não possa servir de desculpa a ninguém. Mais prosaicamente, números Basij e outros milicos islâmicos foram molestados ou mesmo encontrados mortos depois das suas intervenções morais. Declarados mártires dos valores islâmicaos, a necessidade de um “suporte especial” para os proteger apareceu depois da edição da lei. Esta, para além de proibir qualquer instituição de prosseguir e prender os milícos pelas suas actividades, prevê também prisão preventiva e multas para os ofendedores.     junto com as leis Ghesas, ou de retribuição que instauram a ideia de punições equivalentes ás ofensas, uma espécie de imunidade total parece poder ser benéfica aos militantes, o que a sociedade civil relembrou depois dos ataques.

Uma política de negação: as mídias, “ponto de referencia dos agentes ingleses”

Os ataques tais como as manifestações que seguiram foram profusamente utilizados pela imprensa e as redes sociais, sobretudo Twitter com o hashtag #iranacidattacks ou “stopacidattackonwomen. A agencia de prensa dos estudantes islâmicos (APEI) foi a que conseguiu a reportagem mais completa do evento, a mais crítica também. Com o titulo “Este não é o primeiro ataque de ácido contra a nossa sociedade, nem o último”, mostraram corajosamente a incapacidade das autoridades a combater este tipo de crimes, “contrariamente ao zelo que eles mostram quanto á recolha de detritos de drones e de fazer respeitar os códigos islâmicos”. Alguns parlamentares, como Laleh Eftekhari criticaram então a posição de Rohani, não percebendo “que um homem tendo recebido uma educação religiosa possa não perceber a dimensão mais global que implica a lei: ordenar o bem, banir o mal”. 

A reação foi rápida: vários jornalistas da APEI foram presos e alguns ainda não saíram de detenção. O poder teve por efeito de condenar os crimes cometidos mas também das criticas da sociedade civil. O ayatollah Ahmad Khatami chamou várias punições quanto aos culpados mas também contra os médias que, segundo ele, afectaram a dignidade do sistema islâmico ao culparem o trabalho das milícias morais. Estas, sobretudo pelo intermediário do chefe da Ansar-E Hezbollah, Yalassarat al-Hussein, acusam-nos de terem mentido, ao servirem-se destes crimes como desculpa para as suas posições anti-islamicas. O procurador que se ocupa do dossier fala da associação entre lei e estes crimes como um ato “imoral”. 

O mais preocupante nesta repressão é que quando já não há argumentos para justifica-la, esta vira-se para a história, quantas vezes ouvida, hipócrita e usada da “conspiração estrangeira”. “Os ataques de acido d’Ispahan são um jogo e uma conspiração” segundo o Ayatollah Shirazi para desviar a opinião publica da verdadeira causa, a dos indivíduos “anti-sociais”. Retransmitida pela polícia, as milícias Basij e a imprensa ganhada pelo regime tal a Far news, esta ideia de uma estranha coincidência entre as reportagens mediáticas do caso e as criticas da lei, formam motivo para uma repressão da liberdade de expressão. O antigo ministro da informação, Heydar Moslehi, não fala de outra coisa portanto para ele este caso só é um “ato calculado dos agentes das mídias estrangeiras”; pensem ocidentais. Segundo ele, são agentes britânicos que estariam por trás destes ataques. Anza-E Hezbollah até dirá que a BBC depreenda a “nova agencia de imperialismo foxiense”. 

Isto poderia ser cômico, como alguns iranianos pensam, ao aproveitar do ambiente de medo para pulverizar água nas passantes estes últimos dias, fazendo prova de um sadismo perigoso. O clima de medo nas mulheres, já no seu paroxismo, toma um rumo perverso. Estes comportamentos e violências denotam de maneira preocupante uma degradação dramática do status da mulher no Irão, numa sociedade cada vez mais bruta. Segundo a Organização das vitimas de violência, 66% dentre elas vão-se submeter a violências num futuro próximo.

A política da negação das autoridades iranianas é cruelmente absurda ao recusar-se de aceitar a responsabilidade: a de ter criado um clima repressivo que encoraja os criminosos a desfigurar mulheres inocentes.

Notez