Le Journal International: Eu vou mudar completamente de assunto e focar em você novamente. Qual sentimento você vivenciava com mais frequência quando estava lá? Tédio? Medo? Tristeza?
Sean: Muitos descrevem o fato de ir fazer a guerra como horas ou meses de tédio, perturbados por alguns minutos de terror. E eu concordo com isto em alguns aspectos. Muitas vezes realmente nos entediávamos, mas eu estava com um grupo de caras com quem me divertia! Fazíamos piadas, nos fantasiávamos no Halloween, brincávamos. Eu tinha medo todas as vezes em que saíamos. Porque éramos vítimas de disparos de roquetes de 70 mm de diâmetros e eles atiravam em nós mas não eram muito precisos. Tudo que eles fazem, é fixar o foguete em um cronômetro, ele zera, eles fogem e o foguete dispara. É assustador. Uma vez, um caiu bem onde esta árvore está (ele aponta para uma árvore a dois metros de nós), mas felizmente havia uma diferença de elevação e a explosão foi para o alto ao invés de despedaçar-me. Se você sobreviver, é engraçado. Você pode contar piadas sobre isto. Os momentos assustadores, você tem que aceitá-los. Tipo, estou aqui, estou no Afeganistão, fui formado para ser um soldado durante dois anos, por isto estou aqui. Posso morrer, posso ficar paraplégico, posso ter não sei o que mas não posso nada contra isto. Aceite isto, o que você pode fazer? Você vai trabalhar e fazer o que tem de fazer. Se você for bem formado e tiver um bom grupo de pessoas ao seu redor, é o que acontece, você simplesmente vai trabalhar. E idealmente, nenhum dos seus caras está ferido, todos os deles estão feridos, e é o fim da jornada de trabalho. Mais ou menos. Você tem medo, mas tem de aceitar, de certa forma.
JI : Você poderia contar aquela vez em que vocês foram atacados durante a noite?
Sean: Sim, está vendo, é um bom exemplo deste tipo de atitude. Foi no dia das mães em 2007, no dia 13 de maio, eu estava voltando do nosso pequeno posto de informática, eu tinha falado com a minha, não sei, esposa, ou melhor, ex-esposa agora. Eu voltava para o quarto e os caras jogavam baralho, assistiam a filmes. E meu parceiro dormia, pois ele tinha um turno de guarda por vir e ele queria descansar antes de ir. Entrei, coloquei as minhas coisas em um canto e depois, ouvimos “« ta ta tata tata » (ele imita uma metralhadora) e estamos acostumados com isto porque os guardas de segurança afegãos, -os caras dos quais te contei- eles gostam de extravasar e de atirar. Então, éramos acostumados com isto, mas depois, ouvimos “Boom” (ele imita o som de uma explosão), e isto, é um RPG (Rocket-Pro- pelled Grenade – lança roquetes), é um som diferente, não é bom. Então, nós todos começamos a pegar as nossas coisas, entendemos que estávamos sendo atacados. Acordei meu amigo, o sacudi pelo pé. Ele olhou para mim, olhou para o seu relógio e disse “What the fuck?” logo depois um outro RPG explodiu e ele soltou “Ooooooh entendi.” Ele pegou as suas coisas e saímos. No momento em que passei pela porta, um outro RPG acertou o prédio na nossa frente, era a segunda vez em que fui vítima de uma explosão. Fui coberto pelos cascalhos e toda a bagunça, mas nada, nem um arranhão. Depois fomos para o outro lado onde criamos a nossa pequena área de tiros sobre o muro, e é de lá que você se coloca em linha e atira de volta. Depois tivemos uma cobertura aérea e os talibãs começaram a recuar. Pegamos os corpos do chão. A cada vez em que você mata alguém, você tem de pegar o corpo no chão e devolvê-lo em qualquer vilarejo para que possam enterrá-lo. E pegamos corpos o dia inteiro.
JI : Então você conseguiu ficar não muito ferido antes do “the big one”?
Sean: É, fui vítima de cinco explosões. E até que me saí bem em relação ao nível de danos. Levei algumas balas no meu braço mas isto não conta realmente, é mais um tipo de “shit happens”. E depois, a grande explosão aconteceu no dia 26 de abril de 2007. Havia sido determinado que o meu caminhão foi atingido por uma mina antitanque. E realmente, foi o grande boom. Todos pensavam que eu estava morto, que estávamos todos mortos. Éramos o caminhão de frente do comboio e percorríamos este trecho de estrada particularmente sinuoso, então ninguém podia nos ver. Tudo que eles viram foi a grande nuvem de fumaça e pedaços do caminhão que voavam, e eles ouviram o boom. Eles diziam “Nossa, eles morreram todos”. Quando isto acontece, quando um IED (Improvised Explosive Device) explode, você tem de esperar. Pois o que eles começaram a fazer no Iraque quando chegamos, é o que chamamos uma “emboscada complexa”. Eles faziam explodir o IED, o que acaba arrombando o seu veículo, todos se apressam e então ou eles explodem o segundo IED ou eles lançam uma emboscada. Então você tem de esperar um minuto, para observar se uma outra bomba explode ou se eles começam a atirar.
JI: Se não tivesse acontecido, você teria ficado lá?
Sean: Oh com certeza, eu teria ficado. Com os meus amigos, tínhamos decidido ir para a aula de avaliação e de seleção das forças especiais, todos conseguiram. E eu era tão bom soldado quanto eles, então eu estaria lá com eles. Na verdade, tenho a pior das más sortes em minha vida. Tipo, por exemplo, temos óculos de visão noturna, você tem de amarrá-los de baixo do seu capacete com um cordão, pro caso deles caírem. Um dia, eu andava pela floresta e de repente um galho pegou repentinamente o cordão, e mais uma vez, a má sorte. Eu caía o tempo inteiro sobre o meu rosto com esta chatice no nariz. Eu sentia frio o tempo inteiro, sentia fome, os meus pés sempre estavam nojentos porque em todo lugar aonde você vai, você vai a pé. Mas eu te digo, foi uma grande experiência e adorei fazer este trabalho. Depois que voltei, tenho muita dificuldade em permanecer em um emprego, porque, o que devo fazer? Ficar sentado na minha mesa de escritório o dia inteiro? Não foi par isto que fui feito. Eu estava no processo seletivo para o FBI, era um tipo de posição comprometida para mim, não funcionou.
JI : Você está entediado desde que voltou?
Sean: Oh sim, claramente. Mas ao mesmo tempo, as guerras terminaram. Tipo, o que devo fazer? Não posso simplesmente pular e combater todos os dias. Aspiro a um tipo de vida normal. Penso na “Legion” (organização americana para os veteranos) em algum momento. Estou relativamente em boa forma, irei, vai ficar tudo bem. Veremos no que vai dar.
JI : Disseram a vocês que iriam para lá pra que?
O nosso símbolo são dois mosquetões (longos fuzis militares) que cruzam-se e à partir do momento em que você faz parte dos mosquetões cruzados, o “porque você vai para lá” não é necessário, você pode falar disto, mas ninguém quer saber. Você vai, e pouco importa o que você tem de fazer. O que nos explicaram é que íamos para ajudar a dar segurança ao governo do Afeganistão e transmitir a democracia. Alguém me perguntou se eu pensava que valia a pena, acho que é muito complicado responder a esta pergunta. Pensei muito nisto desde então, não sei, tenho tendência em dizer que sim. É difícil dizer. Não sei de quantos anos é a expectativa de vida lá, não muito alta, isto eu sei. E se os ajudamos a passar um bom dia, menos mal. Penso que não importa o que você faça, tudo tem importância. Se você tentar julgar o fracasso em relação ao sucesso, todo mundo é perdedor. Acho que só depende de você decidir se o que fez tem importância ou não e de pegar esta responsabilidade.
JI: O que você diria para as pessoas que pensam que o exército é um grupo de caras violentos e ignorantes e que não têm nenhuma idéia do que fazem?
Sean: Então, está relativamente certo quanto a parte violência. Sobre isto eles têm razão (risos). Vou ser franco contigo, no que diz a respeito aos simples soldados, eu sou uma exceção. Mas também não uma exceção tão grande. Tinha um monte de amigos que eram muito bem educados e que podiam ter uma conversa comigo mesmo se eu nem sempre concordava com eles. Por exemplo, eu era o único democrata no meu pequeno grupo. E isto me custou caro. Não gosto que me chamem de herói. Sou somente um cara que fez o seu trabalho. Portanto, penso que se a ideia deles é preconceituosa, somente os encorajaria a conhecer um pouco melhor os soldados e antigos soldados. Você não tem obrigação de sempre concordar com eles, a maioria é conservadora etc., mas sei lá, isto não faz deles pessoas ruins. Nós todos comemos pizza e bebemos cerveja, não é?
JI: Enquanto você estava lá, houve um momento em que você viu um ou vários talibãs como seres humanos com quaisquer outros e não como inimigos?
Sean: Isto é uma pergunta interessante. Sempre os vi como pessoas. O exército treina-te a desumanizar e a desconectar-te. Quando você está no campo de tiro, você atira em alvos, um inimigo ou sei lá o que. O United States Marine Corps (Corpo da Marinha dos Estados Unidos) tem, na minha opinião uma maneira melhor de fazer isto. Eles te treinam a exterminar. E é o que fazíamos. Sejamos honestos sobre o nosso trampo. Então, acho que você sempre precisa os ver como pessoas, se você for honesto com você mesmo e com o que faz. E eu acho que o motivo pelo qual eu lido tão bem com o estresse pós traumático é que para mim não há este abismo entre tipo “é um talibã mas também uma pessoa, me sinto mal porque matei a pessoa, sendo que eu lutava contra o talibã”. Este cara atirou em mim, eu atirei nele, o que podemos fazer contra isto?
JI: Você disse que sentiu-se culpado por ter matado um jovem?
Sean: Senti-me culpado por ter matado este menino, completamente. Você poderia me descrever como sendo impiedoso na minha explicação da violência, mas é unicamente porque eu pensava que era justificado. Se eu tivesse matado alguém acidentalmente, evidentemente, é horrível, eu teria ficado arrasado. Quanto a este rapaz, senti-me culpado porque ele era jovem. Sinto-me mal por ele ter tido esta arma entre as mãos. Mas no final, ele a tinha. E não havia muita coisa que eu pudesse fazer naquele momento. Eu não iria levar um tiro de um menino que tenta me acertar. Eu levaria um tiro por um civil afegão, claro, não há problema. Mas um menino que tenta atirar em mim, não tem como. Atirei nele por duas vezes. Ele as mereceu como qualquer outra pessoa. De 16 a 36 anos, se você mirar em mim com a sua arma, eu, meus amigos, um civil afegão, se você ameaçar qualquer pessoa que seja, você mereceu esta bala. É assim.
JI: Se você tivesse de refazer tudo isto, você o refaria?
Sean: Oh sim... penso em voltar para o exército. O inconveniente é que não há mais guerra. Não posso fazer o meu trabalho. Mas sim, o faria de novo. Porém, refaria certas partes diferentemente. Voltaria para este caminhão no dia 26 de abril de 2007. Porque, eu vou te dizer, o motorista era casado, tinha filhos, o comandante do caminhão era casado e tinha filhos, tínhamos, no fundo do caminhão, um intérprete, e também este cara que eu não conhecia muito bem, ele era novato. Mas se eu não tivesse entrado neste caminhão, um outro cara que é casado e tem uma porrada de filhos, subiria nele. Eu não posso fazer isto. Não posso deixar este trampo para outra pessoa. Se eu não tivesse feito aquilo e que outra pessoa o tivesse feito e não tivesse sobrevivido ou tivesse ficado mais ferido do que eu, eu teria sido o responsável. E não posso aceitar isto. Sinto muito, é uma questão sensível para mim. O exército americano é uma porra de voluntariado. Se você não pegar este fuzil sendo Americano, você deixa este dever para outra pessoa. É um pouco parecido com votar. Há um ditado neste país que diz que se você não votar, você não tem o direito de reclamar. E para mim, se você não pegar este fuzil, se você não participar do que está acontecendo e não dar o melhor de você neste trampo, então você também não pode reclamar.