Direitos LGBT no Azerbaijão: o exílio forçado de um jovem azeri

Marine Betrancourt, presidente da AEGEE Lyon, Traduzido por João Lucas Pires
23 Mars 2015



O Azerbaijão é mais conhecido por seu reavivamento arquitetônico extravagante para sediar o Festival Eurovisão da Canção de 2012, e em breve os primeiros Jogos Europeus em Baku, em junho deste ano, do que por ser um exemplo de defensor da democracia, transparência e direitos humanos. Exemplo da geração jovem azeri, Atilla luta há seis anos por mudança em seu país. Entretanto, em dezembro de 2014, teve que fugir depois de receber ameaças de morte e sofrer ataques por causa de seu compromisso com os direitos humanos e a causa LGBT no Azerbaijão.


Créditos Obyektiv.tv
Créditos Obyektiv.tv
Em setembro de 2014, ele ficou noivo do namorado em uma festinha particular que contava com alguns amigos próximos, e como todo jovem de sua geração, conectado ao mundo virtual, atualizou seu status de relacionamento no Facebook. No dia seguinte, a mídia azeri divulgou fotos privadas de Atilla, além de seus dados pessoais. Ele e o namorado enfrentaram graves ameaças, atos e ataques de caráter homofóbico, que os levaram a fugir do Azerbaijão e pedir asilo na Alemanha, onde Atilla tenta, de alguma forma, continuar sua luta para que um dia possa com orgulho levantar a bandeira do arco íris no céu de Baku.

Como você foi se envolver tão jovem com o processo democrático da causa LGBT?

Me chamo Javid (Atilla) Nabiyev, tenho 25 anos e sou gay. Trabalho na área dos direitos humanos há mais de seis anos. Comecei em 2008, quando ingressei na universidade. Me juntei à organização "Senso Comum" e continuei por dois anos como membro em seu escritório. Em 2010, fundei em minha cidade, Sumquavit a organização "Association for the Future", em defesa dos valores liberais. Sou um dos fundadores e atuais membros da rede Juventude "Liberal", no Cáucaso do Sul e do JA Alumni Club do Azerbaijão. Da mesma forma, sou membro da AEGEE-Baku. Fui um dos primeiros a se graduar na Escola de jovens professores e aluno da escola de jornalismo de Baku. Minha principal atividade na área dos direitos humanos começou com a fiscalização das eleições e o Centro de Estudos da Democracia. Como parte do meu trabalho, eu coordenava mais de 200 pessoas em 12 regiões diferentes. Depois de todas essas experiências, refleti e descobri que era gay e poderia usar todas as habilidades que aprendi para lutar pelos direitos LGBT. Há dois anos, me comprometo à igualdade de direitos no Azerbaijão. Criei e presido a Nefes LGBT Azerbaijan Alliance. "Nefes" significa "respiração" em azeri.

Como você descreveria a tomada do poder sobre a sociedade civil no Azerbaijão?

Por causa do regime político azeri, o envolvimento da sociedade civil permanece fraco. As pessoas não falam, não mencionam, nem sequer pensam em um processo de mudança. Tendo trabalhado com a observação de eleições bem sucedidas de organizações internacionais, descobri que a participação foi inferior a 40%, se não levarmos em conta os relatórios pró-governo, é claro.O nível de escolaridade é terrível, e se quisermos controlar a população, basta remover qualquer cultura e educação. A ideia por trás dessa falta de educação é evitar a sociedade civil do Azerbaijão de participar, fazer perguntas e pedir mais direitos, deixando-a ignorante. Assim, os cidadãos não acreditarão que uma revolução pode trazer mudança. O governo do Azerbaijão pode ser chamado de um governo de "polícia", pois a presença de forças de segurança em todo o país é forte. Além disso, o salário deles é muito mais elevado do que o da maioria dos trabalhadores.
O regime também conta com a força do conflito Azerbaijão - Armênia. E diz: "Estamos vivendo um momento de guerra, devemos permanecer unidos ao nosso presidente [Aliyev] e contra nosso inimigo." Ilham Aliyev aproveitou os conflitos de Nagorno-Karabakh para alterar a constituição por referendo e adicionar um novo artigo: "Em tempos de guerra, o presidente pode ficar no poder até que tudo seja resolvido." Obviamente, esta é uma forma de manter o poder por mais tempo. Voltando a falar do envolvimento da sociedade civil, se compararmos as gerações, há uma verdadeira cooperação entre os mais jovens. As novas gerações são mais propensas a mostrar suas opiniões e desejos de mudança. Se as coisas continuarem assim, a sociedade civil no Azerbaijão será cada vez mais forte e comprometida.

Nos últimos anos, a União Europeia assinou vários contratos com o Azerbaijão para estabelecer dutos que vão de Baku até a Europa Central - servindo assim como uma fonte alternativa aos recursos naturais de gás e petróleo russos. Você acha que a corrida ao petróleo e gás levou a União Europeia a fechar os olhos para a situação dos direitos humanos no Azerbaijão?

Sua abordagem é bastante justa. O Azerbaijão tornou-se um país do qual grandes potências como a Rússia, Irã e a Europa tiram proveito politicamente. Por causa de seu tamanho pequeno, um país como o Azerbaijão tem menos facilidades de proteger sua independência. Infelizmente, os contratos entre o Azerbaijão e outros países são em sua maioria políticas baseadas em aspectos econômicos. O Azerbaijão possui recursos energéticos e infraestruturas dos quais os países europeus se beneficiam e a política azeri se aproveita desta vantagem para proteger o regime atual.
Graças aos lucros do petróleo, o regime Aliyev tem conseguido manter uma diplomacia estável e próspera. A Rússia e alguns países ocidentais tentaram desestabilizar o governo, mas a vantagem de países europeus no Azerbaijão seria reduzida. Depois das eleições de 2003 o povo azeri tem que lidar com este quadro. Enquanto Heydar Aliyev fosse presidente e acordos de parceria com a União Europeia estivessem em andamento, um presidente de outro partido político teria que mudar toda a estratégia política, o que poderia ter prejudicado as relações econômicas estáveis que existem há oito anos entre o Azerbaijão e a União Europeia. E mesmo se com as estratégias o candidato da oposição ganhasse, Ilham Aliyev assumiu a presidência como um legado de seu pai com a ajuda de países europeus.

A homofobia continua a ser um grande problema em toda a Europa. Ano passado, o parlamento francês aprovou uma lei permitindo o casamento a todos, e houve grandes manifestações contra, bem como aumento de atos homofóbicos. Como você acha que isso pode ser resolvido?

Penso que toda situação pode ser resolvida ao dar informações as pessoas. Podemos erradicar o preconceito, dando mais importância ao assunto na educação. Outra maneira seria limitar o papel da religião na comunidade. Mas não estou dizendo para fechar igrejas e mesquitas. As coisas devem acontecer paralelamente. Se os alunos fossem convidados a discutir sobre a homossexualidade nas escolas, eles iriam analisar a situação de forma diferente e, provavelmente, pensariam. Tenho certeza de que se instruirmos as pessoas, elas não diriam que a homossexualidade é uma doença ou um pecado, elas entenderiam que a homossexualidade é algo independente do desejo ou processo de seleção humano. Deus ama o homem que criou.

Em 2014, o Azerbaijão presidia o Conselho da Europa, uma organização intergovernamental com base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos: você acha que isso afetou a situação no país?

Ao analisar as coisas na perspectiva dos últimos anos, o fato de o Azerbaijão ter se juntado ao Conselho da Europa [em 2001, NDLR] ou ter presidido o mesmo por seis meses, não mudou nada no cenário da política de direitos humanos do país. Em vez disso, ficou pior. Oito membros da Nida Vatandas Hareketi (um partido político do Azerbaijão) foram presos pouco antes das eleições de 2013. Leyla Yunus e seu marido Rasul Jafarov foram detidos. Enquanto o tribunal tomava sua decisão, meus diretores foram condenados a três e cinco anos de prisão. Ilham Aliyev, declarou na reunião que o país não tinha problema algum com os direitos humanos. Durante o Conselho da Europa, a Presidência do Azerbaijão suspendeu por seis meses todas as pressões políticas sobre nosso governo. Era como se o sistema político azeri estivesse desafiando a Europa, dizendo "Nós não nos importamos com o que vocês dizem, não temos medo!"

Você acha que a Parceria Oriental, os Acordos de Parceria e Cooperação com a União Europeia, bem como a junção do Azerbaijão ao Conselho da Europa pode influenciar de forma positiva a situação do país?

Infelizmente, não tenho muita esperança num futuro próximo. Se você observar a situação atual, advogados, ativistas de ONGs e jornalistas independentes que defendem o Estado de Direito são presos ou fogem do país por causa das pressões políticas. O governo de Aliyev ignora suas obrigações internacionais e detém a liberdade de fazer o que quiser. Eu só vejo uma saída: a União Europeia pedir ao governo azeri para pôr em prática os avanços nas áreas de direitos humanos, de liberdade de imprensa e eleições mais livres. Eu acho que o fato do Azerbaijão ter que pagar sanções econômicas deveria ser algo inevitável.

Foi negado à sua organização, NEFES o reconhecimento por parte do governo azeri. Uma vez que se diz que a homossexualidade é "legal" no país, haveria a possibilidade de dar entrada em um recurso jurídico contra a decisão do governo de não reconhecer a organização NEFES?

Sim, a homossexualidade foi retirada do Código Penal azeri por Heydar Aliyev, em 1998. Mas como se trata do Azerbaijão, nenhuma lei é aplicável, então não é nenhuma surpresa não termos conseguido o registro. Em 2014, o Azerbaijão assumiu a 48ª posição no ranking da ILGA Europe (International Lesbian Gay Association Europe) sobre a situação dos direitos LGBT na Europa. Ficando apenas à frente da Rússia, sendo a última colocada da lista e considerada o lugar mais perigoso da Europa para pessoas LGBT. Embora o Azerbaijão seja membro do Conselho da Europa e faça parte da Parceria Oriental da UE, o país falha em cumprir seus compromissos referentes aos direitos LGBT. Nenhuma ação legal ou lei sobre crimes de ódio foram adotadas até agora.
A população do Azerbaijão é muçulmana, mas é preciso levar em conta que, de acordo com a Constituição, Estado e religião são separados, e todos são iguais perante a lei. No entanto, ano passado, três deputados disseram na mídia que o país não reconhece os direitos das pessoas LGBT. Tudo isso aponta que a homofobia é óbvia a nível governamental. Existe porém, uma organização LGBT oficialmente reconhecida pelo governo, chamada de "Gênero e Desenvolvimento". Eles são financiados pelo Ministério da Saúde da República do Azerbaijão. E, portanto, não atendem aos critérios de independência, pois não podem se expressar livremente, sem pressões externas. Isso mostra que não é uma questão de ser LGBT ou não, mas que o governo não está preocupado com o assunto dos direitos humanos e bloqueia uma evolução de todas as formas.

Os primeiros Jogos Europeus serão realizados em junho na capital, Baku. Esta não é a primeira vez que o país é palco de um evento com público internacional (Festival Eurovisão da Canção de 2012), você acha que a atenção da mídia internacional voltada para o Azerbaijão ajuda a conscientização da comunidade Internacional em relação a situação dos direitos humanos e do processo democrático no mesmo?

O governo azeri faz gastos monstruosos para criar uma imagem positiva do país para a comunidade, através de grandes eventos internacionais. Estes eventos são realizados somente para isso. Desta forma, o governo está tentando esconder a realidade do país, criando uma imagem ideal de um estado desenvolvido tanto social quanto economicamente. Por meio de campanhas como o nosso projeto "Compete 4 Equality", podemos chamar a atenção da comunidade internacional e, assim, pôr pressão. Não há dúvidas de que existem grupos que lutam pelos direitos humanos e com o apoio da comunidade internacional, podemos criar um ciclo vicioso.
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