Colômbia : os « Ningún nombre », cadáveres adotados

Justine Rodier, traduzido por Bárbara Angelli
4 Mars 2015



Durante várias décadas, os corpos à deriva no Magdalena são apanhados por desconhecidos que se esforçam para conceder-lhes um enterro. Muitas vítimas, mortas e jogadas no rio, encontraram uma segunda família após serem abandonadas e esquecidas: explicação de uma prática nada padrão.


O rio Magdalena - Crédito Ben Box
O rio Magdalena - Crédito Ben Box
Todos os dias, o Magdalena, principal rio da Colômbia, ao longo de seus 1,500 km, transporta cadáveres. Todos os dias os corpos são recolhidos na costa por pescadores. E todos os dias os habitantes das aldeias vizinhas adotam estes corpos, não encontrando ninguém no horizonte para lhes dar um enterro. Encontradas sem identidade clara, essas mortes são batizadas de Ningún Nombre, os "sem nome" em espanhol. As famílias adotivas levam a sério as suas responsabilidades em cuidar deles, carregando flores e recitando suas orações. Alguns até permitem dar-lhes nomes e conversar com eles. Como confidentes, membros de suas famílias.

Na aldeia de Puerto Berrio, os 50 000 habitantes estão pouco a pouco familiarizando-se com a ideia de recolher os corpos do rio. Todos os mortos na aldeia hoje têm pais adotivos. A fé está muito presente nesses colombianos que, por vezes, não hesitam em competir para recuperar um Ningún Nombre e provar um pouco mais sua boa conduta. « El Pancho » é o apelido dado a Dom Fransisco Luis Mesa, o pescador extraordinária de Puerto Berrio. Este homem já passou mais de 25 anos de sua vida recolhendo os corpos no rio antes de colocá-los em túmulos e realizar uma cerimônia.

Essa situação, a princípio bastante macabra, teve efeitos bastante notáveis e incomuns. Apesar dessas manifestações inusitadas de generosidade, não pode ser esquecida, no entanto, a triste verdade. Estas mortes são todas de vítimas do conflito colombiano, que dura há mais de 30 anos.

Um conflito violento ininterrupto

Por três décadas, os guerrilheiros comunistas se opõem aos paramilitares de direita. Entre os dois partidos rivais deste conflito estão os habitantes das populações vizinhas, agredidos e brutalizados. A maioria deles são obrigados a fugir, deixando tudo para trás. Já os menos afortunados, são mortos e seus corpos são então jogados no Magdalena. Contudo, ainda é irrealista afirmar que todos os corpos do rio foram identificados como vítimas do conflito colombiano. Também porque uma grande maioria deles não foi inscrita no registo dos desaparecidos.
Crédito Mandy Cano Villalobos
Crédito Mandy Cano Villalobos

A valiosa colaboração do governo

Nos últimos anos, surgem mais e mais pedidos e famílias enlutadas procurando encontrar os corpos dos seus mortos. Confrontado com estas demandas, o governo e o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos implantou mais recursos. O chefe de Estado tem, efectivamente, apoiado a investigação, através da qual cerca de 10 000 corpos foram identificados. Um número crescente de executivos e especialistas forenses mobilizam-se todos os dias, tanto para manter contato com as famílias dos mortos, como também para determinar a causa da morte.

Quanto aos exilados, o governo está a tentar indenizar as vítimas da melhor maneira possível, concedendo-lhes uma compensação para os muitos hectares arrancadas deles. Uma coisa é certa, o Governo trabalha para acabar com o conflito na Colômbia, que se enfraquece de ano a ano, mas que continua presente.

O apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Chaín, o coveiro da aldeia de Bocas de Satinga recolhe também, como "El Pancho" de Puerto Berrio, os corpos flutuantes no rio. Mas a ação de Chaín tem uma peculiaridade. Ele enterra todos os corpos não identificados em uma área específica do cemitério da vila. Ele sempre marca com cuidado a localização exata dos túmulos dos Ningún Nombre. Uma placa de cimento onde estão escritas todas as informações encontradas sobre o corpo fica afixada acima de cada sepultura para facilitar as investigações das famílias enlutadas. Essa idéia engenhosa, na verdade, vem do Comitê Regional da Cruz Vermelha, que pode contar com o Chaín para realizá-la.

Apesar desta primeira medida, o CICV não pára aí. O seu objetivo atual é de trazer cientistas forenses para realizar a exumação e identificação de corpos. O CICV também está a trabalhar na renovação do necrotério de Bocas de Satinga e a construção de câmaras frigoríficas para os Ningún Nombre, facilitando a pesquisa de impressões digitais e análises que poderiam levar à identificação dos corpos.

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