Julija Stancevičiūtė
Este monumento discreto - que na maioria das vezes passa despercebido pelos passantes que não foram avisados - se confunde com a calçada mais frequentada da cidade. Esta faz a ligação entre duas passagens de pedestres permitindo ir até o centro comercial Origo e á estação para os que vêm da velha cidade.
A obra consiste simplesmente em uma linha de tijolos de pedras assimétricas que dividem a calçada em dois. Nesses modestos blocos estão gravados nomes de personalidades diversas e variadas, dentre algumas podemos encontrar a do escritor Bernard-Marie Koltès. Porque raios se encontra o nome de um dramaturgo francês nesse local? A historia não é tão anedótica quanto parece.
Um monumento discreto mas intrigante
Ao lado do nome do dramaturgo se encontra também inscrito em outros tijolos, o do músico Miles Davis, do artista Keith Haring, do fotoógrafo Peter Hujar, do cantor Freddie Mercury, de outro fotógrafo Robert Mapplethorpe, do dançarino Rudolf Noureev, do autor Anthony Perkins e do escritor Pier Vittorio Tondelli. Em princípio, essas personalidades que vêm de países e domínios artísticos diferentes têm pouca coisa em comum. No entanto, olhando mais atentamente, podemos perceber que todos os artistas ditos acima eram bissexuais ou homossexuais, e sobretudo que todos morreram entre 1989 e 1993 da mesma doença: SIDA.
A partir deste constato, o monumento revela ser um memorial. Mas então qual é sua utilidade? Mesmo sendo evidente que seria para prestar homenagem, não podemos esquecer que este permite também realçar as perdas causada pelo SIDA, trazendo apoio as pessoas seropositivas e de deixar claro um assunto que ás vezes é tabu aos olhos do grande público. Certamente, o monumento não é o mais imponente e se não conhecermos a causa da morte destas personalidades, nada nos permite entender o nexo entre essa síndrome e essa obra, mas o fato é que ela existe, em uma das calçadas mais frequentadas, e é homenageada cada ano, no dia do memorial internacional contra o SIDA no Candle Light Day.
Um pequeno memorial e uma grande historia
A origem desse memorial data de 1992, durante a exposição de arte contemporânea de Cassel, a documenta IX. Un artista propõem então pela primeira vez na Europa de construir um memorial engajado na lutta contra o SIDA. A obra se intitula Denkraum Namen und Steine (espaço de reflexão dos nomes e pedras), e o autor é o novo artista berlinês, Tom Fecht, que quer dar início a um trabalho que tenha uma dimensão européia intitulado Memória nômade. A obra é basicamente a mesma que a que sera construída em Riga um ano mais tarde: trata-se de incorporar na calçada tijolos de pedra nos quais são gravados nomes de personalidades que morreram de SIDA.
Tom Fecht repete seu trabalho em 22 cidades alemãs, assim como em Zurique e depois Riga em 1993. Porque ele escolheu Riga? Uma das razões é que nesta época a preocupação principal da Europa no que se trata da saúde era a pandemia do SIDA. Riga acolheu esse ano uma palestra da OMS insistindo sobre a importância para os governos dos países da Europa central e oriental para começar desde já uma ação de prevenção contra o SIDA.
O símbolo é ainda mais forte e tem vários ecos. Pois se Fecht se envolveu na luta contra o SIDA, ele defendeu também a condição das pessoas homossexuais escrevendo apenas o nome de personalidades não heterossexuais. Essa mensagem camuflada trata de um ponto sensível na Europa oriental. Temos que esperar 1999 pra que a Russia pare de considerar a homossexualidade como uma doença. Porém o trabalho de Fecht ocorreu em 1993. Na Letónia, essa orientação sexual é frequentemente vista como um estilo de vida imposto pelo Ocidente. Esse é também o ponto de vista do arcebispo de Riga, Zbignevs Stankevičs, que recentemente declarou que "as relações homossexuais são contra a natureza". No entanto, o trabalho de Tom Fecht se encontra também na afirmação da autonomia da Letónia, ainda recente em 1993. Pode-se imaginar que algumas das tropas soviéticas restantes quando houve a criação do monumento, não ficaram muito felizes com esta homenagem de personalidades não heterossexuais nas suas antigas terras. Essa obra não poderia ter acontecido dois anos mais cedo. Ela revela então de um certo modo a autonomia recente da Letónia.
O problema de HIV na Letonia
Mas além de seu aspecto comprometido, a obra convida-nos sobretudo a considerar a ameaça do SIDA. Ameaça real e crescente para a Letónia. Em 1993 apenas 20 pessoas foram diagnosticadas seropositivas neste país. Rapidamente o número aumentou com 88 casos em 1997, 2 710 casos no final de 2003, e finalmente 8 600 casos declarados de AIDS e HIV em 2009. Em 2011, com cerca de 13% da população atingida, a Letónia é o segundo país mais tocado por casos de infecção de HIV, apenas atrás da Estonia (27%). Isso é principalmente devido à explosão de drogas por via intravenosa dos jovens e por causa do desenvolvimento do turismo sexual e da prostituição. A liberdade dos costumes dada ao fim da ocupação soviética não foi suficientemente enquadrada pelo governo para conter essa expansão do HIV que é uma das mais rápidas na Europa. Hoje, o número de toxicodependentes, é em média de 5 000, o que é relativamente alto para um um pequeno país. O governo da Letónia tomou algumas medidas pois ele existe desde 2002 graças a ajuda da Cruz-Vermelha da juventude da Letónia, uma rede para a troca de seringas para viciados em drogas. Mas isso é apenas uma parte do problema. Apesar das ações políticas, o problema do HIV está longe de ser resolvido neste país que contava menos de 20 casos, há 20 anos.
O memorial tão discreto de Fecht, tem então um duplo eco. O primeiro é a luta contra o HIV com a prevenção deste em um país hoje fortemente afetado por este mal. O segundo são as liberdades das pessoas homossexuais em um país relutante em mudar nesta área. No entanto, é claro que a divisão ideológica não é a mesma entre a geração da era soviética e da nova geração que poderíamos chamar de Born Free como a juventude do pós-apartheid na Africa do Sul. Essa geração não partilha os mesmos valores que seus pais. De qualquer forma, se a obra de Fecht é homenageada uma vez por ano, no Candle Light Day, no qual os participantes colocam geralmente velas sobre as pedras, ele conseguiu no entanto deixar uma mensagem humanista que ecoa sem que centenas de pedestres que passam por la percebam.