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A sociedade nepalesa contemporânea está ancorada em concepções patriarcais no que diz respeito à relação homem-mulher. Desse modo, a sociedade é marcada pela desigualdade na atribuição de poder entre os sexos, colocando a mulher sob dominação masculina, que passa do pai ao marido. Nos âmbitos familiares, marital e social, a tradição tornou-se uma norma que determina o papel e a posição da mulher. Se os deveres das mulheres são predefinidos pela hierarquia social, pela subdivisão da sociedade em castas e pelo peso das tradições, seus direitos permanecem limitados pela autoridade masculina.
Sociedade patriarcal e misógina
O exemplo mais chocante: a atribuição de cidadania. Na jovem república do Nepal, a mulher só se torna cidadã, se seu pai ou marido a autorizarem. Nada lhe confere autonomia, já que, sozinha, ela não possui nenhum reconhecimento. Essa falta de consideração manifesta-se como rejeição da mulher enquanto tal. A condição feminina por si só a torna impura à vida em comunidade durante o período menstrual ou após o parto, o que a exclui momentaneamente da moradia familiar.
Verifica-se, igualmente, que a legalização da interrupção voluntária da gravidez em 2010 conduziu ao aborto seletivo de meninas. Essa misoginia muito comum se manifesta principalmente nas violências das quais as nepalesas são vítimas. Segundo a jornalista Marie Dorigny, 99% dos homens consideram, atualmente, que as mulheres devem lhes obedecer, e 66% das meninas e mulheres nepalesas se declaram vítimas de violências físicas, verbais, e de agressões ou assédios sexuais.
Com 25,2% da população vivendo abaixo da linha da pobreza e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que ocupa a 157ª posição de um total de 187 países, o Nepal está entre os países mais pobres do mundo. De fato, o Estado é dependente da ajuda internacional para atender às necessidades da população. O Nepal tem dificuldades de instaurar um clima político-econômico estável, já que a fraqueza da economia nepalesa vem acompanhada de uma carência em matéria de estabilidade política. Enfraquecido por uma guerra civil de 10 anos, o Estado nepalês está ainda em fase de normalização política. Logicamente, precariedade e desemprego conduziram a uma degradação das condições de vida dos habitantes.
Precariedade, dependência e obediência
A tendência à violência não é exclusivamente devida aos abusos da população masculina, pois a crença em feitiçaria amplia o fenômeno e condena à morte na fogueira ou por lapidação toda mulher suspeita de magia. A tradição patriarcal tornou-se, então, um pretexto para o uso banalizado da violência contra as mulheres. Ela justifica todo tipo de excesso. A situação é tal que, desde 2010, a primeira causa de mortalidade entre mulheres de 15 a 49 anos é o suicídio. Uma “solução extrema” que se assemelha tristemente a uma fuga, para romper o isolamento imposto pela lei do patriarcado. Uma vez casada – frequentemente forçada e menor de idade –, uma mulher sozinha não pode retornar à casa de seus pais. Ela deve obedecer a seu marido e ficar a seu lado, ainda que por questões de ordem financeira.
Primeiras vítimas do desemprego e da pobreza
A fim de romper o ciclo vicioso da pobreza e da fome, muitos homens decidem migrar para a Índia. Essas saídas acentuam a solidão das mulheres em um mundo de homens, e deixa-as com a obrigação de alimentar toda a família. Sem meios financeiros e pouco instruídas, as mulheres não podem satisfazer sozinhas suas necessidades. A autonomia das mulheres é, portanto, uma das prioridades das ONGs presentes no local. É através da alfabetização das mulheres, da garantia de acesso à saúde e aos refúgios que as mulheres ganharão em segurança e em autonomia. Por trás dessa questão, encontra-se a chave para um desenvolvimento sustentável, centrado no papel das mulheres na sociedade: a educação e a universalização da saúde.
Com efeito, o Estado criou um serviço de polícia reservado às violências cometidas contra mulheres. No entanto, poucas entre elas ousam dar queixa, por receio de serem repudiadas. O peso da tradição impede as mulheres de receberem educação e de defenderem os direitos humanos. Nesse ponto, o Plano nacional de ação da UNESCO para o Nepal fixa como objetivo nacional a questão da igualdade dos sexos no acesso à educação. Contudo, os recentes acontecimentos no Nepal parecem frear o conjunto dos avanços.
Crescimento dos riscos com o terremoto
Em pleno século XXI, o Nepal conta, hoje, com mais de 8.000 vítimas do terremoto de magnitude 7,9 ocorrido em 25 de abril. Atualmente, as prioridades se articulam em torno da reconstrução do país e da garantia de um mínimo de segurança sanitária. A ONGs no local devem, portanto, se encarregar de colocar as mulheres em segurança. Se, em tempos normais, o trabalho das organizações não-governamentais é, em parte, consagrado à luta contra discriminações de gênero, sua energia está hoje voltada para a diminuição dos riscos causados pelo terremoto.
As redes de tráfico de órgãos e de prostituição se desenvolveram após o terremoto. Dessa forma, a catástrofe acentuou a precariedade, a insegurança e o isolamento das mulheres e meninas, que, desprovidas de teto, de meios financeiros e de futuro, constituem alvos fáceis. Segundo Stéphanie Selle, diretora da ONG francesa Planète Enfants, entre 10.000 e 15.000 mulheres são vendidas ou seqüestradas para alimentar o tráfico. Uma situação de insegurança que preocupa as autoridades. Consciente dos riscos corridos, o Estado se compromete a proteger as populações vulneráveis, enviando às fronteiras agências de segurança e polícia para evitar o tráfico e os seqüestros.
Essa ajuda é bem-vinda para a sociedade civil, que também trabalha pela melhoria das condições de vida das mulheres, trazendo cuidados médicos, assistência e alimentos de primeira necessidade. Mas as ONGs sofrem para alcançar as regiões montanhosas e aquelas próximas ao epicentro do terremoto, zonas maioritariamente povoadas por mulheres e crianças. A população que lá se encontra está, portanto, desprovida de toda ajuda externa.