O caso Alberto Nisman sacode a Argentina

Margot Bauche, traduzido por Déborah Spatz
14 Avril 2015


Na noite do dia 18 para 19 de janeiro, o promotor Alberto Nisman foi encontrado morto em seu apartamento de Puerto Madero em Buenos Aires. Há cerca de um mês, a sua morte deu início a um importante movimento popular na capital, exigindo justiça e transparência. Retrospectiva desse drama que ainda abala a Argentina.


Alberto Nisman. Crédito: Radio Uchile
Descrita primeiramente como um suicídio, a morte de Alberto Nisman levanta verdadeiras dúvidas. O promotor investigava o caso AMIA e estava prestes a fazer revelações comprometedoras sobre a implicação da presidente Cristina Fernández de Kirchner e de altos dirigentes argentinos no atentado que aconteceu na Argentina há quase vinte anos.
 

O falecimento do promotor

No dia 18 de janeiro, o promotor Alberto Nisman foi encontrado morto em seu domicilio, atingido por um tiro na têmpora. No dia seguinte, Nisman iria apresentar, junto ao Congresso, um dossiê de 289 páginas, resultado do seu inquérito sobre o caso AMIA. Ainda hoje, o atentado não explicado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), do dia 18 de julho de 1994, é considerado como o ataque terrorista mais importante do país. Ele causou a morte de 85 pessoas e deixou 230 feridos.
 

Em seu relato, Nisman acusava a presidente e vários responsáveis políticos, principalmente seu ministro das Relações Exteriores Héctor Timerman, de ter encobertado o Irã durante a investigação do atentado contra a AMIA. No último dia 14 de janeiro, ou seja, quatro dias antes de sua morte, o promotor declarou ao canal Todo Noticias que havia uma “aliança [do governo] com os terroristas”. Ele pretendia poder encontrar as provas de um “pacto de imunidade, negociado e organizado com os iranianos”, em contrapartida de trocas comerciais, especialmente de petróleo,  com o Irã. No mesmo dia, Nisman anunciou ter recebido várias ameaças. Ele demonstrou também certa preocupação em relação a sua segurança e a de suas duas filhas, alegando que este caso havia evidentemente mudado a sua vida de maneira radical.
 

Alberto Nisman durante a sua última entrevista televisiva, dia 14 de Janeiro de 2015. Crédito: Youtube
Jaime Stiuso, ex-chefe do Serviço de Informações argentino e principal informante de Nisman, teria, por sua vez, deixado o país. Se é atualmente impossível encontrá-lo, ele parece ter sido a última pessoa a ter falado com o promotor antes de sua morte. Ele conheceu Nisman em 2004 e, desde então, colaborava com ele no inquérito sobre o atentado da AMIA. 
 
 

Dissolução do Serviço de Informações

Logo no dia 22 de janeiro, a dirigente Kirchner voltou atrás em suas declarações iniciais, alegando nas redes sociais: “este suicídio, estou convencida disso, não foi um suicídio.”
 

Oito dias após a morte de Nisman, a presidente se manifestou em uma entrevista de uma hora, divulgada pela mídia com o objetivo de responder às diversas acusações a respeito da implicação do governo na morte de Nisman: “ Eu não tenho medo. Eles podem dizer o que quiserem, que façam as queixas que quiserem, que os juízes me citem  […], mas não farão eu mudar nem um pouco o que sempre afirmei”.No mesmo dia, a presidente anunciava a dissolução do Serviço de Inteligência argentino (Secretaría de Inteligencia del Estado), que será em breve substituído por uma Agência federal de informações. Vários boatos circularam desde então, alegando que a dissolução do serviço de informações teria sido causada pela implicação desse órgão na constituição do dossiê de Nisman contra o governo. 
 

O “18-F” argentino e a represália de Kirchner

Christina Fernández de Kirchner durante a sua alocução à nação, 25 de Janeiro de 2015. Crédito: Youtube
No dia 18 de fevereiro (“18-F”), uma caminhada silenciosa, organizada por diferentes promotores em homenagem ao seu colega desaparecido, reuniu cerca de 400 000 argentinos nas ruas de Buenos Aires. A concentração tinha por objetivo exigir que a justiça fosse feita para Alberto Nisman. Outro objetivo da manifestação: reclamar a independência da Justiça e denunciar a impunidade política que atinge a Argentina há décadas. Durante este evento, vários cartazes exibiam o lema “Yo soy Nisman” (“Eu sou Nisman”), acusando diretamente o governo e os serviços secretos por terem comandado o assassinato do promotor.
 

Assim que essa manifestação foi anunciada, o governo se recusou em qualificar a passeata de “homenagem a Nisman”, alegando que tratava-se, na realidade, de uma verdadeira “manipulação política” da oposição contra a presidente, “uma passeata da oposição, convocada pelos promotoress, apoiados pelos juízes e por toda a oposição.” Em resposta às declarações da presidente, a Associação dos Magistrados e dos Funcionários da Justiça Nacional afirmou que “o poder judiciário não é um partido, mas um dos poderes do Estado, independente dos outros, assim como devem ser os três [poderes]”.
 

Manifestação na “Plaza de Mayo”, 18 de fevereiro de 2015. Crédito: BBC
Atualmente, o caso Nisman está sujeito a uma importante instrumentalização política. Ele constitui o foco de uma grande propaganda governamental. Enquanto vários juízes e promotores argentinos acusam a presidente de exercer pressões sobre a Justiça, é inegável que as declarações e contra-declarações dos diferentes protagonistas políticos alimentam um perigoso clima de tensão no país.  
 

E amanhã?

Há cerca de um mês, a investigação está parada na Argentina. A promotora Viviana Fein está atualmente encarregada do inquérito sobre a morte de Alberto Nisman. O promotor Gerardo Pollicita retomou a investigação de Nisman sobre o atentado contra a AMIA.  
 

Diante de um fundo de antissemitismo e de conspiração do Estado, o falecimento do promotor Albero Nisman causa muita intriga , tanto na Argentina quanto a nível internacional. Como, hoje, cerca de 70% dos argentinos não acreditam na tese do suicídio, o caso Nisman mancha profundamente a imagem da presidente e do seu governo, a apenas alguns meses da próxima eleição presidencial, em outubro de 2015. A importante mobilização dos argentinos marca a vontade unânime do povo de obter mais transparência, assim como uma verdadeira separação dos poderes, especialmente o judiciário e o executivo. Um caso longe de ser resolvido.